Municípios que têm administração pública como principal fonte de renda são mais pobres e enfrentam dificuldade de atrair servidores mais qualificados.
Folhapress
28/10/2024
Quase metade dos municípios brasileiros tem a administração pública como principal atividade econômica, à frente de setores como indústria, agricultura e de serviços. São cidades mais pobres, que dependem de transferências de renda por parte dos governos federal e estadual e, em sua maioria, oferecem apenas serviços básicos aos cidadãos, de acordo com especialistas.
Ao todo, 43% dos municípios brasileiros se encaixam nessas condições, o equivalente a 2.409, em números absolutos. Desses, 2.286 têm menos de 50 mil habitantes, e a maior parte se encontra em estados do Norte e do Nordeste. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no fim do ano passado e referentes a 2021.
O quadro faz com que o setor público nesses locais careça de profissionais qualificados, por ter salários menores e estrutura de trabalho mais precária para servidores. Segundo especialistas, uma saída adotada por parte prefeituras das prefeituras é a adesão a consórcios, para compartilhar e, com isso, reduzir despesas com a administração pública.
No Amapá, em Roraima e na Paraíba, 93% das cidades têm dependência em relação à administração pública. O Distrito Federal também está entre as unidades da federação que se encaixam nessa categoria. Amapá e Roraima são os únicos estados cujas capitais, Macapá e Boa Vista, respectivamente, têm o setor como principal fonte de renda.
"A administração pública é obrigatória, mas isso não quer dizer que o município não precise ter outras estruturas que lhe garantam uma potência arrecadatória", diz Ursula Peres, professora de gestão de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP).
O cenário é resultado da falta de recursos próprios que existe em boa parte das cidades brasileiras. Mais de 40% dos municípios enfrentam uma situação fiscal difícil ou crítica, em que dependem de transferência de receitas do governo federal ou de estados, segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal divulgado no fim do ano passado.
Esse quadro impede as cidades de investirem na economia municipal, que permitiria desenvolver o setor privado, elevar a empregabilidade dos habitantes e ajudar na arrecadação de impostos pela prefeitura, de acordo com especialistas.
Somado a isso, são locais que enfrentam dificuldade para atrair e reter profissionais qualificados, devido aos salários menores e condições mais precárias de trabalho, de acordo com Fernando Coelho, professor da USP e integrante do Movimento Pessoas à Frente, voltado à gestão de pessoas no setor público.
Essas cidades contam com estruturas precárias, onde faltam equipamentos e outros recursos mínimos para o trabalho. É uma situação que desestimula servidores, sobretudo os recém-chegados. Isso, por sua vez, gera uma alta rotatividade nos cargos, que agravar o quadro limitado nessas cidades, segundo o professor.
"Muitas vezes, falta inteligência profissional nesses municípios, tanto que eles têm dificuldade para captar recursos, porque não há pessoas dentro da prefeitura capazes de elaborar um projeto", diz. "Não há técnicos ali que saibam fazer uma boa compra pública ou organizar um concurso".
Ainda que o problema seja maior em cidades pequenas, existem grandes centros que também dependem da administração pública. No Rio de Janeiro, estão quatro dos dez maiores municípios nessas condições, todos na região metropolitana da capital. Entre elas, São Gonçalo, a segunda maior cidade fluminense, com quase 1 milhão de habitantes, além de Belford Roxo e São João de Meriti.
Segundo especialistas, esses são casos de municípios-dormitório, em que a maior parte da população mora ali, mas trabalha em cidades maiores - no caso, o Rio de Janeiro. A migração de profissionais para cidades vizinhas afeta o desenvolvimento econômico dessas periferias.
Municípios que têm a administração pública como principal atividade econômica também contam com uma população de menor PIB per capita, segundo dados do IBGE. Por isso, são as cidades que mais precisam de serviços de qualidade.
No entanto, esses lugares têm apenas o mínimo para atender às demandas básicas da população, de acordo com Ursula Peres, da USP.
Isso inclui, por exemplo, a estrutura do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), escola municipal de ensino infantil, posto de saúde e ao menos uma ambulância, para transportar habitantes até hospitais em cidades maiores.
Hoje, há cidades que repensam formas de investir nos serviços para reduzir custos, o que inclui consórcios. Um deles é o Consórcio Intermunicipal de Saúde da Microrregião Alto Rio Verde Grande, em Minas Gerais. A iniciativa reúne 19 municípios.
De acordo com Sérgio Miranda, secretário-executivo do consórcio, o objetivo do grupo é aumentar o volume das compras para reduzir os gastos.
Por exemplo, médicos que cobram por consulta pediriam um valor maior para atender a menos pessoas em um município pequeno. Mas quando os gastos com esse profissional são compartilhados entre dez cidades, os valores ficam reduzidos. O mesmo funciona para insumos e exames, segundo o secretário.
"Os custos para a produção de determinados serviços públicos ficaram onerosos. Por isso, juntamos municípios de pequeno porte para gerar ganho de escala e, com isso, obtemos um custo médio inferior para cada atendimento".
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