Segundo a PF, o dinheiro público bancou gastos particulares, como a compra de carros e o pagamento de faturas de cartão de crédito.
UOL
28/04/2025
Investigação da Polícia Federal (PF) encontrou indícios de que os R$ 48,7 milhões pagos em 2020 pelo Consórcio Nordeste - então presidido por Rui Costa, ex-governador da Bahia e atual ministro da Casa Civil - para a compra de respiradores pulmonares nunca entregues foram desviados pela empresa contratada por meio de sucessivas transferências bancárias.
Ao final, segundo a PF, o dinheiro público bancou gastos particulares, como a compra de carros e o pagamento de faturas de cartão de crédito.
A investigação revela indícios robustos de um esquema de desvio de recursos. Em um intervalo de apenas um mês (8 de abril a 20 de maio de 2020), a empresa Hempcare esvaziou suas contas, transferindo integralmente os R$ 48,7 milhões recebidos do Consórcio Nordeste para diversas pessoas e empresas sem qualquer ligação com a compra de ventiladores.
O rastreamento da PF detalha que, após o recebimento do pagamento em abril de 2020, a Hempcare pulverizou a quantia milionária em repasses a terceiros alheios ao fornecimento dos respiradores, que também dissiparam os valores por meio de novas transferências.
Em um período inferior a um mês, o dinheiro desviado irrigou a compra de bens de alto valor. Uma das beneficiárias adquiriu um SUV Volkswagen Touareg (R$ 75 mil, em valores da época), um caminhão Mercedes-Benz Accelo 815 (R$ 176 mil) e um Mitsubishi ASX (R$ 76 mil), todos em 2020. Outro destinatário dos repasses utilizou parte dos fundos para quitar R$ 150 mil em faturas de cartão de crédito.
Os recursos serviram até para pagar a mensalidade da escola dos filhos de um dos investigados, segundo a apuração da PF.
"Impressiona verificar que as investigações cuidaram de apontar que até mesmo as faturas de cartões de crédito da investigada, que perfizeram o montante de R$ 149.378,74, foram pagas com valores advindos das contas da Gespar Administração de Bens. Ou seja, com dinheiro originalmente público destinado à compra dos respiradores pulmonares", diz outro trecho do processo.
A PF aponta que ao menos R$ 5 milhões passaram pelas contas de empresas destinadas à administração de bens, ao ramo imobiliário e a bancos e fundos de investimento, "mas nunca chegaram a uma empresa sequer que efetivamente trabalhasse com a compra de ventiladores pulmonares".
Em 2020, o vírus da Covid-19 se disseminou pelo país e houve um crescimento exponencial no número de mortos pela doença.
Na época presidente do Consórcio Nordeste, que reúne os estados da região, Rui Costa assinou contrato com a Hempcare que previa o pagamento adiantado da totalidade do valor. Especializada em medicamentos à base de maconha, a empresa, entretanto, nunca tinha fornecido esse tipo de equipamento nem tinha experiência no ramo. Os respiradores nunca foram entregues, e a totalidade do dinheiro até hoje não foi recuperada.
Na semana passada, o plenário Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu inocentar o então secretário-executivo do consórcio, Carlos Gabas, que emitiu os empenhos para o pagamento antecipado. A decisão contrariou parecer da área técnica, que apontou uma série de irregularidades na contratação e recomendou a aplicação de multa.
O inquérito da Polícia Federal sobre o assunto ainda está em andamento. No início do mês, a Justiça Federal da Bahia devolveu a investigação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O caso tramitava na primeira instância desde maio de 2023 porque Rui Costa não tinha mais direito ao foro privilegiado de governador. Porém, como o Supremo Tribunal Federal (STF) modificou o entendimento sobre foro privilegiado, o juiz federal Fábio Moreira Ramiro, da 2ª Vara Criminal Federal de Salvador, determinou o retorno da investigação ao STJ, instância responsável por processar governadores.
Outro lado
Procurado por meio de sua assessoria de imprensa para se manifestar sobre os novos fatos apurados pela PF, Rui Costa não respondeu.
Em manifestação anterior enviada ao UOL, a assessoria do ministro afirmou que ele determinou a abertura de uma investigação pela Polícia Civil da Bahia para apurar os fatos durante sua gestão como governador.
O ex-governador também disse que, durante a pandemia, as compras realizadas "no mundo inteiro foram feitas com pagamento antecipado" e que nunca tratou com nenhum "preposto ou intermediário sobre a questão das compras" de equipamentos de saúde.
"O ex-governador Rui Costa deseja que a investigação prossiga e que os responsáveis pelo desvio do dinheiro público sejam devidamente punidos e haja determinação judicial para ressarcimento do erário público", afirmou a assessoria na ocasião.
A defesa de Gabas argumentou que ele agiu com base em parecer técnico da Procuradoria do Estado da Bahia que validou a forma de contratação e de acordo com lei estadual que permitia o pagamento antecipado. Afirmou ainda que o consórcio e os Estados foram "vítimas" no caso.
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